Como surgiu a ideia
do livro?
O livro Não foi Revolução nem Acreana é parte de um projeto cujo objetivo é propor uma revisão da História do Acre, já que, muito do que sabemos
do passado acreano, está referenciado em livros que não foram escritos por
historiadores de formação, portanto, sem o rigor científico que temos hoje, sem
a crítica às fontes, sem o compromisso com a verdade. A faculdade de história
no Brasil tem início nos anos 1940 e no Acre em 1970. Então, os escritores que
moldaram o nosso imaginário sobre o passado acreano eram militares,
jornalistas, engenheiros e advogados e a maioria assumiu uma visão
“acreanocêntrica” dos fatos e um estilo epopeico da escrita da história. Temos
muitos livros de literatura (romances históricos) que gozam do status de História, porém, trabalham com
a verossimilhança, com a imaginação, com as emoções e o prazer estético, não
citam documentos comprobatórios do que afirmam. Nenhuma faculdade de História
atualmente adota a epopeia como modelo de escrita da história. Entretanto, essa
forma não científica de narrar o passado ainda é utilizada aqui no Acre e é,
por isso, que equivocadamente a nossa história aparece como uma “saga” de
grandes feitos e de grandes heróis. Isso massageia o ego coletivo, porém, está
baseada em equívocos e manipulações da história. Então, o projeto revisionista
que propus foi enquadrar a narrativa do passado do Acre nos métodos e técnicas
de redação científica, tentando aproximar o conhecimento histórico, ao máximo,
da verdade e, consequentemente, distanciando-o da “história politicamente
correta” que vigora hoje. Revisar a história é isso: criticar a ortodoxia, o
oficial, o tradicionalmente aceito, mediante a releitura das fontes, descoberta
de novos acervos e emprego de novos métodos e teorias na produção do
conhecimento.
O que significa
“história politicamente correta”?
É aquela narrativa do passado que
não tem compromisso com a verdade e sim com os interesses políticos dos
vencedores, ou seja, das elites dominantes que protagonizaram ou fizeram parte
dos eventos. É uma história que obedece a um projeto de criação e manutenção de
identidade coletiva. Identidade essa que singulariza um povo de forma positiva,
criando consenso e otimismo e, com isso, docilização e apatia. O que eu fiz foi
tentar desacreanizar a história do Acre, pois ela é muito ideologicamente
marcada. Ela é etnocêntrica.
Pode dar uma sinopse
do livro?
O livro propõe um olhar
revisionista da fase militar do processo de nacionalização das terras banhadas
pelos afluentes dos rios Purus e Juruá. Nós conhecemos o evento como “Revolução
Acreana”, porém, o nome dado é uma expressão mal empregada, que não descreve
com fidelidade o evento em si, pelo contrário, o reinventa como algo que ele
não foi. Então, no livro, eu explico o conceito de revolução, desde o emprego
dele na astronomia do século XV. Mostro a evolução do conceito até chegar na
dita Revolução Francesa, que se tornou o evento de referência para a semântica moderna
da palavra. Então, eu fiz a pergunta: será que o significado de “revolução” que
temos nas ciências humanas atualmente é o mesmo que os brasileiros na Amazônia
tinham em fins do século XIX? Certamente
que não! Eu historicizei o uso da palavra “revolução” no Brasil, mostrando o
quanto ele era mal-empregado. É por isso que temos diversos movimentos
contestatórios chamados de revolução: “revolução de beckman”, “revolução
praieira”, “revolução pernambucana”, “revolução federalista”, “revolução de
1930”, “revolução de 64”. Tais eventos têm nome de “revolução”, mas não foram
revolução. O conceito de “revolução” em seus nomes foi politicamente empregado.
A escolha do termo não passou por critérios científicos e sim ideológicos. O
desafio que assumi foi mostrar que a Revolução Acreana foi inventada como
revolução. Eu mostro como os jornais da época chamavam-na de outros nomes:
guerra do Acre, revolta do Acre, insurreição do Acre, etc. Porém, a “revolução”
prevaleceu, não que fosse a tipologia mais adequada, mas que era a
politicamente correta.
No livro eu também tento provar
que a “Revolução Acreana” não foi acreana. A pergunta que eu me fiz foi: qual o
sentido da palavra Acre em fins do século XIX, na Amazônia brasileira?
Certamente não era o mesmo do atual. Quando lemos um documento da época com o
quadro semântico que temos hoje da palavra Acre, cometemos anacronismo. Na
época, Acre não era um topônimo, não referir-se a um lugar. A palavra
dava nome a um rio. “Revolução Acreana” era a revolução feita às margens do rio
Acre. Acontece que hoje aprendemos a dita “revolução” como uma espécie de mito
fundador da acreanidade, que é um erro grotesco. Pois, os principais membros da
Junta Revolucionária eram funcionários do Estado do Amazonas e o próprio rio
Acre fazia parte da bacia hidrográfica do município amazonense Floriano
Peixoto. Foi o Estado do Amazonas que incentivou a migração de nordestinos para
essa região e, quanto mais a migração adentrava em território estrangeiro, mais
o Amazonas estendia sua jurisdição – criando postos aduaneiros e policiais.
Quem perderia com a bolivianização da região era o Amazonas, que já
administrava a região. Todo o “processo” revolucionário foi amazonense. Afinal,
o Acre não existia e aquelas terras eram pensadas como brasileiras através de topônimo amazonense. O Amazonas era o Estado mais próximo da Bolívia e não
existia outra maneira de pensar a brasilidade daquelas terras sem a
amazonensidade delas. Todo território nacional estava dividido em Estados e o
mais próximo da Bolívia era o Amazonas. No livro, eu reúno várias provas do envolvimento
do Estado do Amazonas com a dita “Revolução Acreana”, desde José Carvalho,
Galvez, Expedição Floriano Peixoto (equivocadamente chamada de Expedição dos
Poetas) e até Plácido de Castro. Quando as terras acreanas foram nacionalizadas
pelo Tratado de Petrópolis e o governo federal criou a figura inconstitucional
do Acre Território, o Estado do Amazonas contratou o advogado Rui Barbosa para
ingressar uma ação pública contra a União pela perda do Acre. Ninguém sabe, mas
o Brasil teve que indenizar o Amazonas, pois, juridicamente, essas terras
deveriam pertencer àquele Estado. A partir da Constituição de 1934, o Brasil se
obrigou em indenizar o Amazonas. O pagamento foi feito como provo no livro. O
interessante foi que, para o pagamento acontecer, era preciso mensurar o valor
do Acre. E, na contabilidade feita, consta os gastos que o Estado do Amazonas
teve com a Revolução Acreana. Então, prova cabal de que a “revolução” foi
Amazonense. Nada foi feito por iniciativa popular, muito menos pelos seringalistas
locais. Os autores intelectuais do “evento fundador do Acre” foram os políticos
e comerciantes de Manaus. Foram eles também que financiaram a “Revolução”.
Alguns dos nossos heróis não passam de mercenários contratados. É difícil para
mim dizer isso. Mas foi a conclusão que cheguei.
Portanto, a “Revolução Acreana” é um “nome de fantasia” dado
ao evento, porém, basta tirarmos essa “etiqueta” do evento, basta
desembrulharmos os fatos do seu envólucro ideológico, para termos uma visão do
passado mais isenta. E foi isso que fiz.
Esse não foi o primeiro livro que escrevi sobre o assunto. Já se foram mais de
seis livros. Todos eles denunciando as manipulações da história oficial.
Como foi o processo
de escrita?
Já estudo o assunto há mais de
dez anos. Defendi meu mestrado, doutorado e pós-doutorado sobre o mesmo.
Pesquisei nos acervos que estão no Rio de Janeiro, Pernambuco, Brasília, Manaus
e os de Rio Branco. O trabalho foi árduo, pois o que encontrei foi um volume
muito grande de livros “embriagados” de acreanismo, ou seja, presos a um
projeto identitário. Por isso, que desconsiderei tudo que havia lido sobre
Revolução Acreana e voltei-me às fontes primárias e, delas, fiz suscitar um
novo conhecimento do assunto, mais isento de paixões e ideologias. Tudo que
afirmo está lastreado em documentos e, assim, pude garantir a cientificidade da
escrita. Além, do mais, esse livro passou por uma banca de pós-doutorado, o
que, por si, já garante a seriedade do mesmo.
Qual a importância do
livro para a história do estado?
O livro propõe uma leitura
alternativa à oficial sobre a nacionalização das terras banhadas pelos
afluentes dos rios Purus e Juruá. Um livro baseado na análise de uma vasta
documentação. Infelizmente, a conclusão que cheguei fere um pouco o sentimento
de acreanidade, porém, eu prefiro
provocar feridas narcisistas no eu acreano e ter uma imagem dele mais
próxima do real, do que me embriagar de acreanismo e sentir orgulho de
um eu acreano que não existe. Acredito que o povo não precisa de uma epopeia,
muito menos de heróis. O que todos nós queremos é uma educação emancipatória
que promova a conscientização política e não a alienação por meio da
manipulação da história. Não precisamos de comemorações cívicas, o que
precisamos é de cidadania!
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